O rio.

O pequeno arco colorido que risca o céu parece ser uma benção para aqueles que vivem na seca.

O vento abafado com cheiro de chuva alimenta as esperanças de uma noite mais fria, e enquanto isso, imagino os gados e cavalos entoando cânticos que parecem suplicas à Deusa. Mas, é apenas um devaneio que passa pela minha mente, tentando esquecer da profunda tristeza de ver terras cinzentas, que um dia já foram verdes e ricas.

O zumbido irritante de uma mosca que passa perto de meus ouvidos me volta para a paisagem da janela da cozinha. Aqueles montes de terras, pedras e arvores com raízes que se fundem num cenário esmaecido. O que sobrevive é o que está nas margens do rio; este que já foi cheio e serviu de morada de cagados à cari; hoje está infestado pela intervenção humana. Ainda sim, com todo esse castigo, crianças e adultos se divertem em meio a garrafas vazias e plásticos que boiam pelo rio.

Então, ouço a risada estridente de um menino feliz, que acaba de descobrir um ninho de ovos.

Lembranças da terra cinza.

Noite.

A calmaria do vento afaga o constante calor da fazenda.

Para os meus ouvidos acostumados com os barulhos constantes da cidade, os sons que aqui nascem dançam em meus pensamentos; cada um com a sua melodia particular, comunicando-se à noite com a minha insônia.

Apesar desses sons, a calmaria que se passa é impressionante, perco-me em vultos e ventos.

A noite se mostra a mais escura e hostil que já vi.

Penso que é uma balada para minha percepção; tudo me chama atenção; o ranger das janelas de madeira já maltratadas pelo tempo (e o vento), até o sonolento gato que se levante a procura de alimento.

Os meus dias aqui se passam devagar, rastejando pelo tédio e pela alegria de estar só.

Lembranças da terra cinza.

 

De alguém, e para alguém.

“Amor é curto, esquecer é longo” Acho que li isso num dos livros de poemas do Pablo Neruda, ótimo escritor, aliás.

A gente sempre se apaixona fácil, não é? Um sorriso, um gesto, um gosto em comum…. Algumas pessoas não têm essa facilidade (ou mentem que não têm), outras têm e à primeira vista; é até lindo de se ver! Aquela euforia que te consome, o querer estar sempre com o amado, dizer “eu te amo” sem saber o que é amar, e não dizer nada sabendo o que é.

O amor é uma porta que te leva ao céu, para o paraíso, pr’um lugar que só existe felicidade; mas não a felicidade estável, e sim a felicidade mundana, de ter alguém para chorar no ombro, de acordar numa manhã cinzenta e se arrepender da briga que tiveram na noite passada, ser seca por ele ter ignorado aquela mensagem quando ele liga no outro dia para saber se você está bem… e você acabando ficando bem. Mas quando essa porta se fecha, some, desaparece, encontramos um arriscado labirinto.

Um labirinto de memórias feito para nos testar, alguns saem deste triunfalmente, outros… tsc, tsc… demora, e dói. Mas, assim que saímos desse labirinto, tudo se torna claro! vivo! Estamos prontos para viver tudo novamente. Até parece um círculo vicioso!

E o que seria dos poetas sem o sofrimento do amor não correspondido? O que seria de mim? De você? Sem nenhuma daquelas frases reconfortantes que lemos sobre o amor nessas redes sociais, páginas de livros, revistas, etc.? O amor nos faz vivos, e como é bom amar! mas não só o amor de casal, também tem o amor de família, o amor pela coxinha da lanchonete da esquina, o amor pelo escritor, o amor pelas coisas que do olhar desconhecido, parecem fúteis, mas não é.

Amar é sofrer. Viver é amar e sofrer.

Passarinho.

Que garoto varrido! nunca imaginei que cometeria tamanha bobagem.

Eu sempre o via andar de bicicleta de manhã, e sempre em círculos. Eu achava aquilo tão tedioso, já que todos os dias lá estava ele com sua bicicleta roxa, saudando os que passavam e completando a volta. Pensei por um momento que sua mãe seria uma víbora por deixar o garoto apenas andar de bicicleta ali – a vizinhança era sossegada, não havia raios de motivo – pobre garoto…

A terra de barro dificultava suas manobras, mas ele sempre em alerta às pedras e demasiado contente. A rua era sem saída, havia uns autos e motos estacionados num pequeno quadrado; a calçada (que nem era calçada) servia como deposito de lixo e o muro que dava para um imenso barranco já estava caindo.

Eram 8:37 da manhã – sei exatamente o horário, pois estava atrasado, e o ônibus das 8:40 a.m estava por passar. O dia – uma pacata quarta-feira, o sol estava dando suas caras e o aroma da chegada da primavera estava ali, junto com o cheiro horroroso de lixo pobre. Mas nesse dia, estava correndo tudo mal. o café respingou em minha camiseta favorita e tive que troca-la às pressas; Flora, minha gata, havia feito suas fezes no sofá, o que acarretou em mais atraso… e o porteiro com sua terrível mania de puxar longas conversas com pautas tediosas – e com qualquer um que passe por aquele maldito portão!

Desci a rua Américo correndo, mas algo, que por uma fração de segundos eu ignorei, me chamou a atenção. O menino da bicicleta estava em cima do muro, seus braços totalmente abertos, o sol sendo coberto por sua pequena e delicada silhueta, como se os raios estivessem saindo dele – aspirava um ar de liberdade imensa – a bicicleta roxa estava jogada na rua.

Algo me dizia que eu iria me atrasar pro trabalho, o dia estava propenso aos desastres que quase cogitei em voltar para a minha cama. Mas eu havia de testemunha-lo.

Nervoso, e com medo, gritei:

– O que você está fazendo aí, garoto?

Minha voz saiu tremula, quase que implorando para ele não fazer nada, e ele com um sorriso mais álacre que eu já tinha visto me disse:

– Eu quero voar, meu senhor, como aqueles pássaros que passaram por aqui.

Não sei como procedi nos minutos seguintes. Uma angustia subiu-me até o peito e me lembrei de quando era moleque. Eu adorava jogar peteca com meus irmãos, subia em arvores para pegar frutinhas, jogava futebol com bolas de meias; eu fui uma criança serelepe – que dó de meus pais!

Ele caiu diante do barraco com uma pena, uma alma jovem e inocente. E suas últimas palavras ficaram em minha cabeça.

Naquele dia eu não peguei o ônibus das 8:40 a.m, não comprei um café e um pão de queijo na padaria, nem analisei os projetos cansativos dos novatos, não fui ao trabalho, nem conseguiria. Mas o menino da bicicleta roxa cumpriu seu último desejo na vida: se juntar aos pássaros e para o norte voar.

E voou.

De Rose, e sobre Rose.

“O amor, uma vez, bateu em minha porta. Veio através de uma querida amiga companheira, que me apresentou um primo dela, a fim de bancar o cupido.
Solteirão, de 40 e casa própria. Só não tinha carro, mas na minha situação aquilo nem faria diferença. A casa dele era muito bem organizada, até cheguei a pensar que ele era meio gay (mas que pensamento preconceituoso, não?) pela maneira metódica que ele arrumava os sapatos, meias, etc.
Sai com o cara duas, ou três vezes, e sem mais delongas fui para cama com ele; e pela primeira vez, eu fiz amor.
Naquele momento eu sabia que poderia me apaixonar, e decidi me preservar para não brigar com o cupido.
Conhecido como “Alemão”, eu só ouvia elogios do Edmilson. Ele era bacana, e tinha dois filhos que nunca deixava de se preocupar, e sempre fazia almoço no apê dele para reunir a família (que no caso, era as irmãs da prima dele – que não era prima, na verdade, o marido dela era primo dele [que confusão!]). Mesmo se eu ficasse horas o aderindo os mais formosos adjetivos não iria descrever o quão bom coração ele era. E ele foi.
Depois de um ano juntos eu já considerava namoro, nem precisava de objeto para firmar nosso compromisso.

Encorajado por mim, ele comprou um carro, um Uno 95 vermelho. Era o xodó dele, andávamos para todo lugar e aí, ficou tudo fácil.

O alemão sempre falou que iria morrer sozinho, e que não iria ser novidade encontrar ele morto num dia desses, já que ninguém se preocupava em ligar para saber como ele estava.
Ele sempre bebia demais quando começava a falar dessas coisas, e foi nessas que descobriu que tinha pressão alta.

Era domingo, às quatorze horas e poucos minutos, eu liguei para saber como ele estava.

– Estou vendo o Mengão – disse ele.

Combinamos de nos ver na segunda pra tomar um chopp, comer umas batatas e depois desliguei.

Eu via meu futuro com ele, só ele. Já passara minha fase de ex-esposa abandonada e carrancuda, agora eu estava finalmente começando a amar de novo, e de verdade! O amor já não era aquele sentimento que eu tanto temia e julgava ser devastador… Eu estava amando.

Segunda-feira, 17 de novembro, 10:00 a.m.
Encontraram o Alemão morto em seu apartamento; a TV estava ligada, agora sintonizada em um programa qualquer.
Acharam ele sentado no sofá, com o short ensanguentado e um misto de sangue e vomito no chão. Infarto fulminante.

Ele teria tomado remédio para a pressão alta na sexta, ele foi avisado que não poderia tomar bebida alcoólica, mas teimoso como era, tomou suas pingas no sábado, e no domingo bebeu duas cervejas.

Os caras que trabalhavam com ele perceberam a falta do amigo e ligaram para o celular, para casa e ninguém atendeu. Tiveram de ir lá, ele não era de falta sem avisar, então presumiram que algo tivesse acontecido.
Um sentimento agoniante bateu no peito do patrão e amigo de longa(!) data quando ninguém atendia o interfone. Pegaram a escada portátil do prédio que estava na garagem e subiram para a sacada do pequeno prédio de cinco andares a fim de alcançarem a janela, sendo a dele a do segundo andar.

O corpo roxo, com o tronco caído entre as pernas gélidas estava sozinho, como ele me dissera antes.”

PS: Esse texto foi escrito dois anos após a morte de meu tio, Alemão. Tentei ao máximo passar pro papel alguns relatos que ouvi antes, durante e depois do acontecimento como um presente. Os sentimentos pode não ter sido os aqui descritos, mas quem sabe se não foi assim? Perdemos o contato com a namorada dele logo depois.

E é assim que a vida vai…
…………………….passando pelos frutos do amor
………….pelo ar do sofrimento
…………………………………..pela beleza da alegria
……..e o canto deslumbrante da curiosidade.

Barro.

Deixa eu lhe contar uma história que meu avô me contou que contaram pra ele.

No interior, havia uma fazenda abandonada – não se espantem, como toda boa e velha história, ela tem que começar com um clichê – e ninguém morava ali há uns bons tempos, mas assim, de repente, uma familiazinha se mudou pra lá, digamos que eles roubaram o terreno assim que viram que não tinha proprietário. Vivia mãe, pai e filha. Cabeçudinha, magrinha, toda sujinha era Mariana, a filha. A mãe bonita e o pai alto, alemão, olhos azuis. A menina num aparecia ajeitada, sempre emporcalhada, com as unhas pretas.

Teve um dia que passou um desconhecido daquelas áreas para pedir informação na fazenda.  A namorada no carro, esperou um bocado o amado e por assim foi-se, dois quartos de hora até que decidiu entrar e ver o que ele estava fazendo.

Bateu. Nada. Mais uma vez. Ruído. Abriu.

A menina, sozinha, estava com as mãos cheia de barro e falou pra moça que havia ninguém ali e que esteve sempre na sala e não ouviu a porta bater. Desconfiada a tal da curiosa perguntou se tinha um copo d’água por que estava com sede.

Deu. Tomou. Saiu. Procurou no curral. Nada. Sumiu.

Havia desaparecimentos constantes por aquela banda.

A menina cresceu. Os pais morreram de velhice e a fazenda ficou pra ela. Ninguém se atrevia passar por ali. Tinham medo. Mas não sabiam do que e por que.

Meu tataravô mudou-se para a fazenda ao lado. E como era demasiado curioso foi lá espiar a menina. Pra quê? Por quê? Por onde?

Ele não viu muita coisa não, mas o que viu deixou o menino tremebundo.

Ele disse que ela estava sentada numa ponte, sobre um açude pequeno, de água escura; ela estava com um troço na mão – digo troço porque foi assim que meu avô disse que contaram pra ele – parecia barro cinzento e tinha forma redonda; no rio tinha um corpo boiando, cheirando mal -já em decomposição.

Perplexo. Era isso. Perplexo ele ficou.

Depois disso, nunca mais ele a viu, mas também frouxo do jeito que era nem se  atrevia arredar dos cantos da fazenda e tinha medo -pavor! – de qualquer barulho que ouvia a noite. Achava que era ela.

O açude continua lá, ninguém passa, ninguém quer. Se tem algo ali? Não sei. Mas a sensação que dá só de chegar perto é que ela está vigiando a gente, só na espera de moldar. Moldar o quê? Também não sei.

Confessions Of A Sad Midnight.

“I have everything but at the same time I have nothing.
I have beauty but I don’t have love.
I have money but I don’t have happiness.
I have a cup of coffee but I don’t have a cigarette.
Or anybody I could share my holiday stories.
I have everybody but I don’t have you.”

Carta à mãe Terra.

Mil perdões por destruir teu canto, tua vida.
Somos capazes de acabar com teus rios, mares e oceanos apenas para nosso próprio agrado. Tua natureza não é mais plena, e as vezes me pego choramingando por esta raça sem piedade que não tem a minima comiseração para te destruir.
Nos a tratamos como objeto de propriedade; logo logo nossa tão amada água irá acabar -enfatizando que aqui temos as maiores reservas de água doce-, não por completa, mas o escasso que teremos irá definitivamente ser repensado ao ser usado.
Se não sabe -mas é claro que sabe, estamos na sua casa, no seu recinto- no sertão eles respiram o sol, o tempo é mais que seco e castiga todo mundo. Acá ainda se sente o frescor do vento -e se cair um toró, o povo ainda reclama- lá não se deve nem saber o que é frescor, também pela falta constante de água.
Estamos acabando com o equilíbrio natural da tua fauna e flora. Lá em cima, na Amazônia, é abençoado pela Natureza. Aquilo ali é a vida, e ainda sim estão querendo tirar-la de nós.
Não é só com a sua casa que estão matando, os moradores também. As pessoas esqueceram o conceito de humanidade. Me desculpe a generalização, corrijo-me agora dizendo que a maioria esqueceu o que é ser humano, tem um pequena parcela -que eu rezo para que com o passar desses anos cresça e reverta essa atual situação- que ainda se preocupa com a gente e está sempre ajudando.
O problema é que isso aí é aqui no Brasil, fora daqui tem muito mais.

Minhas sinceras desculpas e afirmo-lhe, estou esperando morrer pra não dar continuidade nesta raça que destrói.
Ps: estou começando a plantar amor pelo quintal, sei que gostas.

De Fabrício, e sobre Fabrício.

“Eu só queria amar, beijar, estar junto, nada mais.

Eu mereço isso.

Primeiro eu amei, amei platonicamente, mas tudo mudou d’uma forma rápida e drástica. Eu não percebi, não queria encarar-lo, não mostrei fraqueza e não precisava disso. Engoli todo orgulho e cuspi indelicadeza p’ra todos, tentando construir aquele muro que foi derrubado pelo amor. Logo desisti quando soube daquilo, me desesperei. Parecia um grande devaneio, não sabia se era realmente aquilo que tinha escutado. Deblaterei contra os males, impondo toda a minha indolência e gritei, gritei alto. Eu ainda sentia algo, e só soube quando aquela verdade súbita foi dita. Como ousa? O que lhe fiz? Eu sei que mereci, mas por que és tão injusto? Depois daquilo, só vivi na penumbra de meu quarto; me contorcendo pelo sentimento de desgosto, nojo e talvez culpa -mas era a minha culpa mesmo. Aquela questão indiscutível passava pela minha mente, sibilando nos meus pensamentos como uma grande algazarra. Gostaria de não pensar na morte; ou apenas esquecer de ser e não ser. Nada sai de minha mente, por enquanto não deixo. Quero ter as ultimas memórias guardadas em mim.”