Barro.

Deixa eu lhe contar uma história que meu avô me contou que contaram pra ele.

No interior, havia uma fazenda abandonada – não se espantem, como toda boa e velha história, ela tem que começar com um clichê – e ninguém morava ali há uns bons tempos, mas assim, de repente, uma familiazinha se mudou pra lá, digamos que eles roubaram o terreno assim que viram que não tinha proprietário. Vivia mãe, pai e filha. Cabeçudinha, magrinha, toda sujinha era Mariana, a filha. A mãe bonita e o pai alto, alemão, olhos azuis. A menina num aparecia ajeitada, sempre emporcalhada, com as unhas pretas.

Teve um dia que passou um desconhecido daquelas áreas para pedir informação na fazenda.  A namorada no carro, esperou um bocado o amado e por assim foi-se, dois quartos de hora até que decidiu entrar e ver o que ele estava fazendo.

Bateu. Nada. Mais uma vez. Ruído. Abriu.

A menina, sozinha, estava com as mãos cheia de barro e falou pra moça que havia ninguém ali e que esteve sempre na sala e não ouviu a porta bater. Desconfiada a tal da curiosa perguntou se tinha um copo d’água por que estava com sede.

Deu. Tomou. Saiu. Procurou no curral. Nada. Sumiu.

Havia desaparecimentos constantes por aquela banda.

A menina cresceu. Os pais morreram de velhice e a fazenda ficou pra ela. Ninguém se atrevia passar por ali. Tinham medo. Mas não sabiam do que e por que.

Meu tataravô mudou-se para a fazenda ao lado. E como era demasiado curioso foi lá espiar a menina. Pra quê? Por quê? Por onde?

Ele não viu muita coisa não, mas o que viu deixou o menino tremebundo.

Ele disse que ela estava sentada numa ponte, sobre um açude pequeno, de água escura; ela estava com um troço na mão – digo troço porque foi assim que meu avô disse que contaram pra ele – parecia barro cinzento e tinha forma redonda; no rio tinha um corpo boiando, cheirando mal -já em decomposição.

Perplexo. Era isso. Perplexo ele ficou.

Depois disso, nunca mais ele a viu, mas também frouxo do jeito que era nem se  atrevia arredar dos cantos da fazenda e tinha medo -pavor! – de qualquer barulho que ouvia a noite. Achava que era ela.

O açude continua lá, ninguém passa, ninguém quer. Se tem algo ali? Não sei. Mas a sensação que dá só de chegar perto é que ela está vigiando a gente, só na espera de moldar. Moldar o quê? Também não sei.

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