“O amor, uma vez, bateu em minha porta. Veio através de uma querida amiga companheira, que me apresentou um primo dela, a fim de bancar o cupido.
Solteirão, de 40 e casa própria. Só não tinha carro, mas na minha situação aquilo nem faria diferença. A casa dele era muito bem organizada, até cheguei a pensar que ele era meio gay (mas que pensamento preconceituoso, não?) pela maneira metódica que ele arrumava os sapatos, meias, etc.
Sai com o cara duas, ou três vezes, e sem mais delongas fui para cama com ele; e pela primeira vez, eu fiz amor.
Naquele momento eu sabia que poderia me apaixonar, e decidi me preservar para não brigar com o cupido.
Conhecido como “Alemão”, eu só ouvia elogios do Edmilson. Ele era bacana, e tinha dois filhos que nunca deixava de se preocupar, e sempre fazia almoço no apê dele para reunir a família (que no caso, era as irmãs da prima dele – que não era prima, na verdade, o marido dela era primo dele [que confusão!]). Mesmo se eu ficasse horas o aderindo os mais formosos adjetivos não iria descrever o quão bom coração ele era. E ele foi.
Depois de um ano juntos eu já considerava namoro, nem precisava de objeto para firmar nosso compromisso.
Encorajado por mim, ele comprou um carro, um Uno 95 vermelho. Era o xodó dele, andávamos para todo lugar e aí, ficou tudo fácil.
O alemão sempre falou que iria morrer sozinho, e que não iria ser novidade encontrar ele morto num dia desses, já que ninguém se preocupava em ligar para saber como ele estava.
Ele sempre bebia demais quando começava a falar dessas coisas, e foi nessas que descobriu que tinha pressão alta.
Era domingo, às quatorze horas e poucos minutos, eu liguei para saber como ele estava.
– Estou vendo o Mengão – disse ele.
Combinamos de nos ver na segunda pra tomar um chopp, comer umas batatas e depois desliguei.
Eu via meu futuro com ele, só ele. Já passara minha fase de ex-esposa abandonada e carrancuda, agora eu estava finalmente começando a amar de novo, e de verdade! O amor já não era aquele sentimento que eu tanto temia e julgava ser devastador… Eu estava amando.
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Segunda-feira, 17 de novembro, 10:00 a.m.
Encontraram o Alemão morto em seu apartamento; a TV estava ligada, agora sintonizada em um programa qualquer.
Acharam ele sentado no sofá, com o short ensanguentado e um misto de sangue e vomito no chão. Infarto fulminante.
Ele teria tomado remédio para a pressão alta na sexta, ele foi avisado que não poderia tomar bebida alcoólica, mas teimoso como era, tomou suas pingas no sábado, e no domingo bebeu duas cervejas.
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Os caras que trabalhavam com ele perceberam a falta do amigo e ligaram para o celular, para casa e ninguém atendeu. Tiveram de ir lá, ele não era de falta sem avisar, então presumiram que algo tivesse acontecido.
Um sentimento agoniante bateu no peito do patrão e amigo de longa(!) data quando ninguém atendia o interfone. Pegaram a escada portátil do prédio que estava na garagem e subiram para a sacada do pequeno prédio de cinco andares a fim de alcançarem a janela, sendo a dele a do segundo andar.
O corpo roxo, com o tronco caído entre as pernas gélidas estava sozinho, como ele me dissera antes.”
PS: Esse texto foi escrito dois anos após a morte de meu tio, Alemão. Tentei ao máximo passar pro papel alguns relatos que ouvi antes, durante e depois do acontecimento como um presente. Os sentimentos pode não ter sido os aqui descritos, mas quem sabe se não foi assim? Perdemos o contato com a namorada dele logo depois.